quinta-feira, 27 de maio de 2010

terça-feira, 25 de maio de 2010

O “INTERNETÊS” NÃO É LÍNGUA PORTUGUESA?*

Júlio César Araújo

Doutor em Lingüística pela UFC, onde é professor no Programa

de Pós-Graduação em Lingüística e no Departamento de Letras

Vernáculas. Pesquisador do grupo PROTEXTO.

Contato//www.julioaraujo.com



01.(22:18:12) £!¢ Msn para mulheres fala para Linda: ei, menina isto eh um chat aberto num eh a redacaum du kulegio naum...

02.(22:18:14) Linda fala para £!¢ Msn para mulheres: como é? Não entendi essa língua em que você escreveu.

03.(22:18:17) £!¢ Msn para mulheres fala para Linda: hahahahha o q é isso? Vixe!!!! pq acentua tudo????? Vc vai aborrecer todo mundo relaxe ae, gata

04.(22:18:20) Linda fala para £!¢ Msn para mulheres: Espere aí rapaz, não vim aqui assassinar o português

05.(22:18:22) £!¢ Msn para mulheres fala para Linda: veio matar o chat entaum eheheheh so pode ser prof vc... é gente d+ pra tc.... tu acha q t tp pra freskura? :-)

[Fonte: Araújo, 2006,p.272]



O exemplo acima, retirado de um bate-papo, mostra claramente que a crença de que o

“internetês” não é língua portuguesa não faz parte apenas dos círculos de conversas entre os professores nas escolas, mas orienta também as práticas de escrita de pessoas, provavelmente, iniciantes no uso dos gêneros chats. O exemplo retrata bem um conflito entre dois usuários, possivelmente um deles é iniciante no uso do chat aberto e, por isso, ainda não conhece os contratos sociais que regem as práticas que acontecem ali, inclusive quanto ao uso da escrita.

A crítica feita por Linda a £!¢ Msn para mulheres [leia-se ELE MSN PARA MULHERES],

revela que as acomodações ortográficas feitas no gênero servem ao propósito comunicativo de conseguir parceiros. Quanto mais rápido e hábil for o internauta, no gerenciamento do teclado e do mouse, mais ele poderá conquistar amigos virtuais. Neste sentido, a escrita minimalista que pontua as interações no chat aberto acaba se transformando em estratégias discursivas de sobrevivência no gênero.

Do exemplo, destaco três turnos que são fundamentais para a análise: o 2, o 4 e o 5. No

primeiro, Linda sugere que no chat aberto não se usa a língua portuguesa e reforça isso no segundo turno que destaquei para afirmar que não irá “assassinar o idioma”. A postura purista da internauta é questionada por seu parceiro quando este diz que, se ela continuar a não respeitar o contrato do chat aberto, não irá matar a língua, mas o próprio gênero. Exageros à parte,residem neste pequeno fragmento importantes pistas do propósito comunicativo do gênero em foco, as quais parecem ser mais conhecidas por £!¢ Msn para mulheres do que por Linda. Se o importante em um chat aberto é se mostrar interessante para conquistar amigos, o uso de uma escrita formal não cabe ali, pois além de atrasar a interação, rouba desse gênero a ludicidade que lhe é peculiar. Tanto é que o usuário mais proficiente afirma que ali não estão produzindo uma redação escolar, portanto a escrita se configura de uma outra maneira (turno 1), embora seja a mesma língua portuguesa que lhe dá a materialidade textual.

Estamos diante do famoso internetês, o qual é visto por muita gente como mutilações que o português sofre pelos falantes desse idioma que usam a Internet. Imagino, entretanto, que o chamado internetês vai muito além de simples ocorrências vocabulares estranhas, pois a atualização escrita da língua em gêneros digitais como os chats, os scraps trocados pelos orkuteiros, caracterizam o que defendo como um registro de uso da escrita, portanto como uma variedade lingüística, no sentido sociolingüístico do termo. Essa variedade é capaz de materializar as necessidades enunciativas dos internautas em qualquer língua. Sendo assim, por internetês eu entendo a modificação criativa na escrita da língua em ambiente digital, cujas características apontam para uma linguagem alfanumérica. Particularmente, considero um exagero sem medidas associar tal linguagem a tentativas de matar o idioma, pois ela apenas faz parte das inevitáveis mudanças pelas quais passam as línguas naturais. Como um estilo alfanumérico de escrever, o chamado internetês não se limita apenas aos limites da Web, já que esse tipo de escrita migra para as pequeninas telas de cristal líquido dos celulares. As reflexões que a revista Vida & Educação nos convidou a empreender sinalizam para um fato muito importante: as formas de realizarmos os encontros com o outro na língua passa necessariamente pelos meios de comunicação e pelos gêneros de que dispomos para efetivar esse encontro. Se for verdade que a língua é um lugar de encontro com os nossos tantos outros, como eu acredito que seja, então afirmo que é, no mínimo, esdrúxulo considerar os usos da escrita digital que semiotizam tais encontros como uma linguagem frankensteiniana, pois se assim o fizermos estaremos incorrendo no lamentável equívoco de confundir a língua portuguesa com as muitas maneiras de ortografá-la, todas ao alcance da capacidade criadora de sujeitos reais que protagonizam encontros reais.

* ARAÚJO, J. C. . O internetês não é língua portuguesa? Vida e Educação. Fortaleza: Brasil Tropical, v.


ano 4, p. 28-29, 2007.